Defesa disciplinar por retorno atrasado da saída temporária
- Rafael de Souza Miranda
- 27 de out. de 2022
- 6 min de leitura
EXCELENTÍSSIMO/A SENHOR/A DOUTOR/A JUIZ/A DE DIREITO DO DEPARTAMENTO ESTADUAL DE EXECUÇÃO CRIMINAL DO ESTADO DE SÃO PAULO – 1ª REGIÃO ADMINISTRATIVA JUDICIÁRIA
Execução nº 000.000
I. G. G. C., nos autos já qualificado, inerentes à execução penal movida pela Justiça Pública, por intermédio do advogado que esta subscreve, vem perante Vossa Excelência oferecer DEFESA contra imputação de falta disciplinar apurada pela autoridade administrativa, nos seguintes termos.
DOS FATOS
Cuida-se de procedimento administrativo para apurar falta disciplinar supostamente praticada pelo sentenciado.
Segundo consta, o sentenciado cumpria pena em regime semiaberto e não retornou da saída temporária.
Foi instaurada sindicância pela direção do estabelecimento prisional, ocasião em que foi ouvido apenas o sentenciado e apresentou justificativas pelo abandono do cumprimento da pena.
O Ministério Público manifestou pelo reconhecimento da falta disciplinar com a consequente regressão de regime prisional e declaração da perda dos dias remidos.
Eis a síntese do necessário.
PRELIMINARMENTE
Da nulidade da oitiva do sentenciado
Denota-se dos autos que a oitiva do sentenciado foi delegada à autoridade administrativa, em claro desrespeito ao direito de audiência perante a autoridade judiciária que o sentenciado possui.
Quando o artigo 118, § 2º da LEP determina a oitiva do sentenciado, é indiscutível que essa oitiva deve se realizar perante o juízo da execução e não a autoridade administrativa do estabelecimento prisional. Primeiro porque hoje em dia não há mais a discussão sobre a natureza jurisdicional da execução criminal, cabendo Poder Judiciário exercer o cumprimento da sentença penal condenatória. Segundo porque a imparcialidade do diretor do estabelecimento prisional é de duvidosa credibilidade, já que os fatos ocorreram dentro de sua responsabilidade funcional e por certo não trará aos autos fatos que demonstrem irregularidades do estabelecimento. Terceiro porque não se sabe em quais circunstâncias o sentenciado foi ouvido, ou seja, enquanto estiver dentro do cárcere, sua liberdade de manifestação resta gravemente comprometida, pois permanece sob a supervisão de servidores da administração penitenciária enquanto presta seu interrogatório.
Neste sentido, a oitiva administrativa se mostra absolutamente nula.
A respeito, Guilherme de Souza Nucci leciona:
“Ampla defesa: quando praticar fato definido como crime doloso ou quando deixar de cumprir as condições impostas pelo juiz, bem como deixar de pagar a multa, antes de haver a regressão, o condenado precisa ser ouvido pelo magistrado. Cremos que o exercício da ampla defesa é fundamental, tanto da autodefesa quanto da defesa técnica. Pode ele apresentar justificativa razoável para o evento” (NUCCI, Guilherme de Souza, Leis penais e processuais penais comentadas. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 538).
No mesmo sentido, a jurisprudência:
Execução Penal. Falta Grave. Decisão que ratificou a conclusão administrativa e ordenou a regressão do sentenciado sem sua prévia ouvida em juízo. Cerceamento de defesa caracterizado. A inquirição pessoal do sentenciado pelo E. Magistrado - no caso de falta disciplinar grave imposta – é necessária para que o juiz possa aquilatar se a definição da falta está em conformidade com o fato e o direito, até porque lhe é dado o direito-dever de rever a sanção, quando a entender despropositada. Não havendo prévia ouvida do preso, em juízo, configurado está o cerceamento de defesa. Agravo provido para anular a decisão (TJSP, 5ª C. Direito Criminal, Agravo de Execução Penal n.º 990.10.049589-5, rel. Des. Pinheiro Franco, julgado em 29/07/2010).
Habeas Corpus. Regressão de regime prisional por prática de falta grave. Medida imposta sem prévia oitiva do sentenciado. Inobservância de formalidade essencial. Coação ilegal configurada. Inteligência do art. 118, § 2º, da LEP. Não teve o sentenciado oportunidade de se manifestar perante o juiz da execução, destinatário final das teses defensivas eventualmente sustentadas. Ordem concedida para cassar a decisão que regrediu o paciente, a fim de que outra seja proferida, após sua prévia oitiva pelo Juízo da Execução Criminal (TJSP, 1ª C. Direito Criminal, Habeas Corpus n.º 990.10.145219-7, rel. Des. Péricles Piza, julgado em 14/06/2010).
Conforme dito, a execução criminal é eminentemente jurisdicional e o Poder Judiciário é quem deve conduzir questões dessa natureza.
A necessidade da audiência do sentenciado perante a autoridade judiciária se justifica, ainda, no direito que possui de influenciar diretamente a convicção do julgador. Esta é a razão do princípio do contraditório (direito de ouvir e ser ouvido), que garante o exercício da ampla defesa.
Em sendo assim, necessária a designação de audiência para a oitiva judicial do sentenciado e reabertura de prazo para manifestação da defesa.
DO MÉRITO
Da improcedência da falta por abandono
Analisando o processo administrativo disciplinar, verifica-se que o sentenciado justificou que, por circunstâncias alheias à sua vontade, não retornou à unidade prisional no dia e horário estabelecidos. Todavia, no dia seguinte se apresentou voluntariamente à autoridade policial.
O retorno estava previsto para o dia 22.03.2022 e o sentenciado se apresentou no dia 23.03.2022, conforme se infere do boletim informativo anexo.
Deste modo, tem-se que não houve abandono do cumprimento da pena, mas retorno atrasado. Isso significa que o sentenciado não teve o dolo de praticar a falta disciplinar grave caracterizada pela fuga (LEP, art. 50, inc. II).
A jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e do Superior Tribunal de Justiça afastam a caracterização da falta grave em caso de retorno atrasado, como no caso dos autos.
AGRAVO EM EXECUÇÃO – Nulidade – Vício de fundamentação – Inocorrência – Mérito – Provimento -Prova produzida suficiente para caracterizar o atraso, mas não a falta grave. Tipificação na Resolução SAP. Necessidade de desclassificação. Espontaneidade do preso, que retornou à unidade prisional por vontade e meios próprios – Sanção proporcional às consequências da infração cometida. Rejeitada a matéria preliminar e, no mérito, dado provimento ao agravo (TJSP, AgrEx nº 0001427-56.2020.8.26.0996; Rel. Rachid Vaz de Almeida; 10ª Câm. Dir. Crim. j. 27.05.2020).
Caso em que não se verifica a configuração da falta grave consistente em fuga, pelo apenado, porquanto o seu atraso ao retornar do serviço externo restou justificado pelo acometimento de moléstia que impediu o seu retorno ao estabelecimento prisional. Agravo desprovido (TJRS, AgrEx nº 70054879994, Sétima Câmara Criminal, Des. Rel. José Conrado Kurtz de Souza, j. 19.09.2013).
1. O retorno espontâneo do foragido três dias após não permite o reconhecimento da falta grave, principalmente quando ausentes consequências do ato indisciplinar. 2. Não há falar em regressão de regime, perda dos dias remidos e alteração da data-base para concessão de outros benefícios se a sanção disciplinar se mostrou suficiente, adequada e proporcional. 3. Inexiste violação ou dissídio jurisprudencial quando o acórdão se arrima em preceitos maiores do ordenamento jurídico. 4. Recurso não-provido. (STJ, REsp nº 1.052.342/RS, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, j. 18.08.2009).
1. Evidenciado nos autos que a sentenciada não poderia retornar ao estabelecimento prisional sem risco à sua saúde e a de seu filho recém-nascido, não há como manter a decisão das instâncias ordinárias que determinaram a regressão de regime, unicamente, em virtude da suposta fuga da condenada. 2. Recurso provido para, cassando o acórdão recorrido e a decisão de primeiro grau, que reconheceram a existência da falta grave de fuga, restabelecer o regime semiaberto de cumprimento de pena à Recorrente (STJ, RHC nº 20.468/MG, Rel. Min. Laurita Vaz, Quinta Turma, j. 13.03.2007).
Da desclassificação
Em caráter subsidiário, a falta disciplinar imputada ao sentenciado deve ser desclassificada para aquela prevista no artigo 45, inciso XXII do Regimento Interno Padrão da Secretaria da Administração Penitenciária nº 144/10, que tipifica o retorno atrasado como falta média.
Art. 45. Consideram-se faltas disciplinares de natureza média:
(...).
XXII- descumprir horário estipulado, sem justa causa, para o retorno da saída temporária.
Da perda dos dias remidos
Ainda na eventualidade do pedido condenatório ser julgado procedente, como corolário da anotação da falta grave, não poderá ser declarada a perda dos dias remidos.
De acordo com a redação do artigo 127, da LEP, a perda dos dias remidos pela condenação em falta disciplinar grave é uma discricionariedade do julgador, que pode decidir por não revogar nenhum dia remido ou até 1/3 (um terço) desses dias.
Art. 127. Em caso de falta grave, o juiz poderá revogar até 1/3 (um terço) do tempo remido, observado o disposto no art. 57, recomeçando a contagem a partir da data da infração disciplinar.
Mas por certo que toda discricionariedade exige a devida fundamentação, com respaldo na necessidade e adequação concreta, e no caso sob análise, vislumbra-se totalmente desnecessária a decretação da perda dos dias remidos. Primeiro porque a conduta do sentenciado ficou longe de expor a perigo de lesão o estabelecimento prisional.
Segundo porque o sentenciado tem um bom histórico de conduta carcerária, sendo esta sua primeira infração. Terceiro porque a perda dos dias remidos será um forte elemento desmotivador do sentenciado na continuidade de sua boa conduta carcerária.
Caso ainda assim Vossa Excelência entender que o caso concreto justifica a perda, que seja aplicada pelo patamar mínimo, pelas mesmas razões acima apontada, que estão em sintonia com os critérios previstos no artigo 57, da LEP:
Art. 57. Na aplicação das sanções disciplinares, levar-se-ão em conta a natureza, os motivos, as circunstâncias e as consequências do fato, bem como a pessoa do faltoso e seu tempo de prisão.
Não é demais lembrar que em Direito Penal sempre deve-se pautar como regra, no caso de condenação, pela aplicação da pena mínima.
DOS PEDIDOS
Diante do exposto, requer seja reconhecida a preliminar de nulidade por falta de oitiva judicial do sentenciado e, no mérito, julgada improcedente a acusação da prática de falta grave; subsidiariamente, seja desclassificada para falta média; ainda, subsidiariamente, não seja declarada a perda dos dias remidos do sentenciado e, se declarada, que seja no patamar legal mínimo, como medida de Justiça.
Nesses termos, pede deferimento.
Mogi das Cruzes, 00 de janeiro de 0000.
ADVOGADO/A
OAB/UF 000.000
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